
O Grande Mandamento
Texto Bíblico: Mateus 22.34-40
INTRODUÇÃO
O contexto deste trecho de Mateus 22.34-40 se passa na última semana de Jesus em Jerusalém, onde os herodianos, saduceus, escribas e fariseus faziam uma série de questionamentos com o intuito de provar e acusar Jesus.
A pregação de Jesus confrontava diretamente os fariseus e escribas porque estes colocavam as tradições humanas acima dos mandamentos de Deus.
Os rabinos dividiram a Lei Mosaica do Pentateuco em 613 decretos, dos quais 365 eram considerados proibições e 248 eram mandamentos positivos.
Eles desenvolveram distinções arbitrárias entre o que era considerado permitido e o que era proibido e por meio dessas distinções eles tentavam regular a vida dos judeus em todas as áreas, tais como os sábados, viagens, comida, jejuns, comércio, etc. chamando-as de Tradição Oral.
A Tradição Oral era proveniente da interpretação efetuada por homens pecadores sujeitos a erros, portanto, falível. Por isso Jesus os acusava de terem deturpado as Leis de Deus. Suas tradições conflitavam com os Mandamentos de Deus.[1]
I. QUAL É O GRANDE MANDAMENTO? (vv. 34-36)
“34 Entretanto, os fariseus, sabendo que ele fizera calar os saduceus, reuniram-se em conselho. 35 E um deles, intérprete da Lei, experimentando-o, lhe perguntou: 36 Mestre, qual é o grande mandamento na Lei?”
O fato de Jesus ter feito os saduceus se calarem sobre o assunto da ressurreição e a explicação de que Deus é Deus de vivos, nos vs. 23-33, pode ter feito os fariseus se sentirem satisfeitos, pois eles também criam na ressurreição do corpo, doutrina na qual os saduceus não acreditavam.
Mas, por outro lado, os fariseus não estavam satisfeitos com a influência que Jesus tinha sobre as pessoas que se maravilhavam de sua doutrina. [2]
O Conselho dos fariseus enviou um intérprete da Lei para colocar Jesus à prova. Marcos 12.28 identifica esse perito na lei como um escriba, e este fez a seguinte pergunta a Jesus: “Mestre, qual é o grande mandamento na Lei?” (v. 36). A Lei referida aqui é a Lei de Moisés que foi resumida nos Dez Mandamentos entregues por Deus a Moisés no Monte Sinai, conforme pode ser verificado em Êxodo 20.1-17.
Resumidamente, os Dez Mandamentos são:
1º Não terás outros deuses diante de mim;
2º Não farás para ti imagem de escultura;
3º Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão;
4º Lembra-te do dia de descanso para santificar;
5º Honra teu pai e tua mãe;
6º Não matarás;
7º Não adulterarás;
8º Não furtarás;
9º Não dirás falso testemunho;
10º Não cobiçarás “nada” do teu próximo. (Ex 20.3-17; Dt 5.7-21).
Podemos dividir os Dez Mandamentos da seguinte forma: os mandamentos do Decálogo de números 1 a 4 são mandamentos de amor a Deus; os de números 5 a 10 são mandamentos de amor ao próximo.
O que se poderia esperar de homens especialistas na Lei de Moisés seria perguntas como esta.
Os rabinos com sua sabedoria devotada ao legalismo certamente debatiam longamente sobre qual dos 613 Mandamentos seria o maior de todos.
Mas Jesus, ainda que reconhecesse a sutileza própria da classe dos fariseus e escribas, não o repreendeu, porque Ele achou a pergunta importante.
Na passagem paralela de Mc 12.32-34 o escriba aprovou a resposta de Jesus concordando com Ele ganhando em troca um elogio de Jesus.
Surpreendentemente vemos um integrante dos fariseus com o coração nobre. Ou teria sido hostil no início, mas teve uma experiência espiritual com Jesus passando por uma transformação?[3]
II. O PRIMEIRO GRANDE MANDAMENTO (vv. 37-38).
“37 Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. 38 Este é o grande e primeiro mandamento.”
Jesus repete o que está escrito em Dt 6.5 com uma pequena variação no uso do ser do homem para amar a Deus.
Enquanto em Deuteronômio está escrito: “de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força”, em Mateus, Jesus fala: “de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento”. Já Marcos (12.30) e Lucas (10.27) em passagem paralela, trazem “de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força”.
William Hendriksen esclarece que não há necessidade de se procurar variações essenciais, mas sim, que o homem deve amar a Deus com todas as suas faculdades que o próprio Deus lhe dotou.[4] Por sua vez D. A. Carson explica que: “Do ponto de vista da antropologia bíblica, “coração”, “alma” e “entendimento” (v. 37) não são categorias mutuamente excludentes, mas sobrepostas, e juntas exigem que nosso amor por Deus venha de todo nosso ser, de todas nossas capacidades e faculdades”.[5]
Com relação ao texto de Dt 6.5, J. A. Thompson ensina que a obediência de Israel não deveria ser por necessidade ou dever como se fosse uma troca, mas sim, baseado em amor. O termo bíblico “amar” tem um significado mais profundo do que o mero dever legal. O profeta Oséias usa a palavra “amar” para expressar a afeição que Deus sente por Israel, comparando a afeição do marido em relação à esposa (Os 3.1) e do relacionamento do pai com seu filho (Os 11.1), por isso a dimensão do amor do homem a Deus deveria ser ilimitada.
Israel deveria amar a Deus profundamente com todo o seu ser. A descrição do relacionamento entre Israel e Deus usando a expressão “de todo o teu coração, de toda a tua alma” é recorrente em todo o Deuteronômio (4.29; 10.12; 11.13; 13.3; 26.16; 30.2, 6, 10) e nos esclarece parcialmente acerca da psicologia hebraica: O coração comanda a mente, a vontade e as emoções e a alma é a fonte da vida e do próprio “ser” do homem (Gn 2.7).[6]
Ante a pergunta (104) de quais sãos os deveres exigidos no primeiro mandamento, O Catecismo Maior responde: “Os deveres exigidos no primeiro mandamento são – o conhecer e reconhecer Deus como único verdadeiro Deus e nosso Deus, e adorá-lo e glorificá-lo como tal; pensar e meditar nEle, lembrar-nos dEle, altamente apreciá-lo, honrá-lo, adorá-lo, escolhê-lo, amá-lo, desejá-lo e temê-lo; crêr nEle, confiando, esperando, deleitando-nos e regozijando-nos nEle; ter zelo por Ele; invocá-lo, dando-Lhe todo louvor e agradecimentos, prestando-Lhe toda a obediência e submissão do homem todo; ter cuidado de o agradar em tudo, e tristeza quando Ele é ofendido em qualquer coisa; e andar humildemente com Ele”.
III. O SEGUNDO GRANDE MANDAMENTO (vv. 39-40).
“39 O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. 40 Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas.”
Aqui Jesus está citando Levítico 19.18 que diz: “Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o SENHOR”. O amor ao próximo requer que o desejo de vingança e os motivos que causaram a ira sejam esquecidos para que possa fluir o amor ao próximo. Na passagem de Mc 10.19 Jesus resumiu os Mandamentos de amor ao próximo com as seguintes palavras: “…Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, não defraudarás ninguém, honra a teu pai e tua mãe”.
O dever do homem relacionado à lei moral e espiritual se resume a uma só palavra: “amor”, conforme repete Rm 13.9-10 que diz: “Pois isto: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e, se há qualquer outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor”.
Concordando com todo o exposto, temos 1Co 13 que trata sobre a natureza e a importância do amor cristão como um dom supremo. E a passagem paralela em Lucas 10.27 está inserida na parábola do bom samaritano (Lc 10.25-37), demonstrando que devemos fazer o bem e amar a todas as pessoas, sem acepção.
O segundo mandamento semelhante ao “Grande Mandamento” também requer o amor, desta vez, direcionado àquele que é imagem e semelhança de Deus (Gn 1.26). João condiciona o amor ao próximo como prova do amar a Deus: “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Ora, temos, da parte dele, este mandamento: que aquele que ama a Deus ame também a seu irmão” (1Jo 4.20-21).
Esse ensino de João concorda com o que Paulo diz em Gl 5.14 “Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.
CONCLUSÃO
Jesus afirma que destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas: “pois todo o Antigo Testamento, com seus mandamentos e alianças, profecias e promessas, tipos e cerimônias, convites e exortações, apontam para o amor de Deus que exige a reação favorável de amor em troca”.[7] Esta reação de amor deve ser direcionada a Deus e ao próximo, que é a imagem e semelhança de Deus.
Por isso devemos aprender e praticar o ensino de Jesus por toda a nossa vida: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento” e “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.
QUE DEUS NOS ABENÇOE
Notas Bíbliográficas:
[1] HENDRIKSEN, William. Marcos: Comentário do Novo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 353-354.
[2] HENDRIKSEN, William. Mateus Volume 2: Comentário do Novo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 429.
[3] Ibidem, pp. 430-431.
[4] Ibidem, pp. 432
[5] CARSON, D. A. O Comentário de Mateus. São Paulo: Shedd, 2010, p. 539.
[6] THOMPSON, J. A. Deuteronômio: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova. 2008, p. 118.
[7] HENDRIKSEN, op. cit. Mateus, p. 432.